quinta-feira, 27 de maio de 2010

A cena Pseudo-Cult-Alternativa-Indie-Nerd

A razão deste post deve-se a um acontecimento que presenciei há um pouco mais de um ano atrás:

Por algum motivo que eu também não sei qual é, acabei indo a um debate sobre filmes que estava rolando no Setor Hoteleiro, em Brasília. Pulando detalhes desnecessários para o texto, lá estava eu na platéia, em alguma poltrona aleatória. Logo de cara, já percebi que a vestimenta do público presente tinha lá suas semelhanças estéticas. Cachecol, muitas estampas xadrez nas roupas, trench coats, óculos de armações grossas, calças torando, chapéus, etc.

Nada contra as peças, o que me incomodou mesmo foi ver todo mundo vestido do mesmo jeito para um evento que aparentemente não carecia de nenhuma, digamos, cerimônia. Então você começa a teorizar se aquilo seria um encontro de amigos, um flash mob, ou, sabe-se lá, uma seita.

Passado meu momento de ingenuidade e ignorância, lógico que me caiu a ficha que eu estava em um nicho pseudo-cult.


Intrigado com aquela reunião de clones, continuei a observar. Eis que surge o absurdo: um deles saca subitamente uma cuia de chimarrão. E esse chimarrão começa a viajar pelo auditório, de mão em mão e boca em boca. E todos faziam questão de tomar, como se fosse um ato quase religioso. Centenas deles. Neste instante, você já começa a procurar por câmeras escondidas, por pontos nos ouvidos (seriam atores?) e até mesmo pelo Sérgio Malandro surgindo de trás das cortinas gritando que é uma pegadinha. Mas era tudo real.

A forçação de barra pra ser diferente, alternativo, cult, indie, ou sejá lá como você chama, faz as pessoas agirem como se seguissem uma cartilha. Alguma tábua de mandamentos que você deve seguir para ser um pseudo-intelectual. E esse ato do chimarrão passando de beiças em beiças desconhecidas, para mim, é a simbologia suprema deste movimento. Confirmo isso porque foi tudo muito artificial.

Os símbolos estão em todos os lugares: café da Starbucks é mais um exemplo. Eu respeito quem toma porque gosta. Mas tornou-se mais um artefato pseudo-cult-mamãe-quero-ser-nerd. Com a chegada da franquia em Brasília, quantos personagens não tomarão conta das praças de alimentação discutindo um filme francês tipo B? São estes mesmos personagens que gostam de tomar capuccino na Fnac, passear de cachecol durante o meio-dia torrando no sol do cerrado e usar óculos Wayfarer. Não tenho absolutamente NADA contra roupas com textura xadrez. O problema é que essa galera parece um tabuleiro de jogos ambulante. Dá pra jogar ludo, xadrez, damas. Sério, não sabem medir a dosagem das coisas. Quando não é o xadrez, então usam roupas de camiseterias alternativas, com nomes fazendo sátiras a filmes, diretores e bandas.

Ah, os filmes. Um pseudo-cult é um exímio fã do cinema francês. Mesmo que ele tenha assistido apenas "O fabuloso destino de Amélie Poulain" (que todo mundo já assistiu), vai arrotar nas rodas que conhece vários outros filmes. Mesmo que tenha decorado essa lista no www.imdb.com. Não se prendendo só ao francês, vale lembrar que um pseudo-cult gosta de todos os filmes do Almodóvar, sendo o filme de fato bom ou ruim.

Na discografia, podemos achar desde Belle & Sebastian até Cansei de Ser Sexy (sim, CSS tem um significado quase que subversivo para eles). Não ouvem somente o "popular", evidentemente. São fãs de carteirinha da cena underground-indie de Brasília, gostando de bandas com nomes geralmente sem significado algum, como por exemplo "O Mosquisto de Godah no Pântano da Luxúria" (ok, eu inventei o nome, mas não vai demorar muito para surgir uma banda indie por aí com alcunha semelhante). Suas participações nas redes sociais também são de intrigar: álbuns com fotos "vintage" dominam.

Com tanta rotulação, o engraçado é saber que o tal termo indie, nas suas origens, é conhecido com o a ausência de estilo. E os que batiam no peito com orgulho por não se encaixar em nenhum estilo pré-fabricado, mal percebem que estão na mesma panela. Por fim, antes de sofrer retaliações (e se sofrer, foda-se), eu não tenho implicância com as músicas, roupas, etc aqui citadas (mas continuo, sim, implicando com a calça-mamãe-fiz-cocô-saruel). O que eu acho medonho é a forma que forçam para fazer parte de um "elenco, criando uma lista de ações, um roteiro de como se deve vestir, falar, pensar, fingir e viver para passar a imagem de "alternativo" para os outros. Várias dessas pessoas aparentam encenar durante o dia inteiro. Até os assuntos soam forçados e artificiais. Estaria eu no Show de Truman?